1, Com excepção de algumas democracias
representativas, como foi a mexicana, é natural, e tem sido assim na democracia
representativa portuguesa, uma certa “alternância democrática”. Em qualquer
cenário, os mais de oito anos de governo socialista, liderados por António
Costa, e interrompidos por uma frágil suspeita do Ministério Público, levarão,
quase com toda a certeza – e as sondagens confirmam-no – a que das eleições
legislativas de 10 de Março saia um governo de direita liderado pela AD.
Simplesmente, no ano em que um pouco por todo o mundo vamos ter eleições, não
vivemos uma situação normal da chamada “alternância democrática”. Vivemos, em
Portugal e muitos outros países, um crescendo de partidos da extrema-direita, também
chamados populistas, que põe em causa, já nalguns países, a própria democracia.
Se a Itália já é governada por uma coligação de direita/extrama-direita,
liderada por Georgia Meloni e o seu partido Frateli di Italia, um dos herdeiros
programáticos do fascismo de Mussolini; se a Argentina, onde o peronismo tem
governado, elegeu um louco que está a
transformar um país com cerca de 40% de pobres, que beneficiavam do apoio
estatal, num regime totalmente liberal, entregue ao sector privado; se em
Espanha o Vox espreita à sombra de Franco; se em França Macron vira à direita
para evitar que Marine Le Pen ganhe as próximas presidenciais… se… se… enfim,
um pouco por todo o mundo o populismo espreita. Portugal não é excepção com o
Chega.
2, O Chega cresceu, mas é ainda hoje, um
partido quase unipessoal de André Ventura. Ventura, um escritor frustado e
professor universitário de direito, foi militante do PSD, comentador desportivo
numa televisão, o que lhe deu projecção mediática. Em 2017 foi candidato à
Câmara de Loures, pelo PSD, perdendo para Bernardino Soares do PCP. Por essa
altura, faz afirmações contra a comunidade cigana, numa entrevista ao agora
comentador político Sebastião Bugalho, para o jornal i, onde também defende a
prisão perpétua e a castração química para pedófilos. Até o aparecimento de
Ventura, a extrema-direita portuguesa era representada pelo PNR de José Pinto
Coelho, um pequeno partido sem expressão eleitoral, claramente fascista, que
nas últimas eleições se rebaptizou de Ergue-te. Ventura, como outros
populistas, fala “dos portugueses de bem”, expressão que abre uma divisão na
sociedade. E entre os portugueses que não são de bem, estão os chamados
“subsídio-dependentes”. O Chega pretende acabar com o RSI, implementado durante
um dos governos Guterres. Mas é, paradoxalmente, a algum eleitorado de
esquerda, incluindo do PCP, que o Chega terá ido buscar alguns dos seus
eleitores nas últimas eleições.
3, 50 anos depois do 25 de Abril, não só as
sondagens dão uma maioria parlamentar de direita, com um forte contributo da
subida do Chega, como entre os pequenos partidos aparecem formações de direita
ou extrema-direita, e apenas um partido – histórico – de extrema-esquerda, o
PCTP-MRPP. A confirmarem-se os resultados que têm vindo a ser apresentados
pelas empresas de sondagens, teremos um parlamento onde a direita será
maioritária, e só uma vitória do PS, certamente já não com maioria absoluta,
poderá, pelo menos durante algum tempo, impedir a direita, ou direita com
extrema-direita, de governar.
4, Na passada segunda-feira, 26, a “aparição”
de Passos Coelho, veio introduzir outros elementos nesta campanha, a ponto de
se falar em um antes e um depois do discurso de Passos em Faro. Para a direita
Passos Coelho é o messias que salvou Portugal de uma bancarrota criada por José
Sócrates. Para a esquerda, mais realista, Passos Coelho é o primeiro-ministro
que quis ir além das imposições da troika, e que levou a que a esquerda se
unisse, em 2015, para evitar um segundo governo PSD-CDS. A política que Passos
Coelho implementou durante o seu governo, com Paulo Portas como líder do CDS,
foi uma política contra as pessoas, por vezes de humilhação (por exemplo, para
receber o subsídio de desemprego, os desempregados que tinham direito a ele,
tinham que se apresentar na sua Junta de Freguesia de quinze em quinze dias –
como se fossem criminosos a quem um juiz tinha decretado o “termo de identidade
e residência”). A política de Passos Coelho baseou-se num colaboracionismo com
as organizações monetárias, como o FMI,
que impôs cortes no rendimento das pessoas, empobrecendo-as, ao mesmo
tempo que privatizava empresas estratégicas para a vida das pessoas e do país.
O corte do 13º mês e subsídio de férias (que apenas durou um ano porque o
Tribunal Constitucional considerou essa medida inconstitucional), contam-se
entre as medidas mais gravosas, de muitas, que levaram a um extraordinário
aumento do desemprego e à emigração de muitas pessoas, sobretudo jovens.
5, Estamos a menos de dois meses de celebrar
os 50 anos do 25 de Abril, a Revolução dos Cravos como lhe chamam noutros
países. O mundo mudou muito nestes 50 anos – e Portugal também –, a começar
pela queda do muro de Berlim e o fim dos regimes comunistas; das utopias que
floresciam por esses anos 60, 70, e mesmo, ainda 80 do século passado. Vivemos
hoje num mundo digital, governado pelas grandes empresas de Silicon Valley, com
várias ameaças, das alterações climáticas à inteligência artificial. E a
emergência dos populismos de extrema-direita, um pouco como acontecia há 100
anos. Em Portugal a direita nunca foi além do CDS, que embora sendo um dos
partidos fundadores da democracia, fez parte da Assembleia Constituinte eleita
em 1975, e foi o único partido a votar contra a Constituição aprovada em 1976.
Mas agora a extrema-direita chegou ao parlamento, as promessas da AD de não
fazer um acordo parlamentar, ou de governo, com o Chega, são vãs. Cinquenta
anos depois do 25 de Abril, Portugal parece estar condenado a enfrentar uma
contra-revolução liderada pelo extrema-direita. É certo, como já escrevi acima,
que há cerca de 10 anos tivemos um governo que colocou em causa não só os
chamados “valores de Abril”, como os dirigentes do PCP gostam de dizer, mas
sobretudo os valores da social-democracia. Também é certo que certa esquerda,
nos últimos anos, tem abraçado os valores woke, provocando uma fricção social
que leva a que muitas pessoas passem para o lado oposto a esses valores woke.
6, Nas últimas semanas, temos assistido a
situações mais ou menos inéditas, com polícias a vir para a rua manifestar-se,
ainda que à civil. Um jogo de futebol, entre o Famalicão e o Sporting não se
pode realizar porque os polícias destacados para fazer a segurança ao jogo,
apresentaram atestados médicos invocando doença. Na origem dos protestos, para
além das más condições em que vivem alguns polícias, está um subsídio que foi
atribuído aos membros da Polícia Judiciária. O presidente do Sindicato da
Polícia chegou, em entrevista, a ameaçar que as eleições podiam não se realizar
porque são os polícias quem transportam os boletins de voto. A 19 de Fevereiro,
quando se realizou o debate entre Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro no teatro
Capitólio, e transmitido em sinal aberto pelos três canais de televisão, uma
manifestação espontânea de polícias esteve à porta do teatro. Também os
militares ameaçam manifestar-se. O semanário Expresso titulava, na sua edição
de 23-02-24, “Militares ameaçam sair à rua se polícias tiverem aumento”. Esta situação faz lembrar a de um país
africano com uma fragilíssima democracia, não é normal num país com uma
democracia de 50 anos. Mas, como já tentei explicar acima, não vivemos tempos
normais. As ameaças de polícias e militares, de qualquer forma, são
inaceitáveis.
(Imagem do blogue Expresso da Linha, https://expressodalinha.blogspot.com/2012/04/luisa-os-cravos-murchos-da-injustica.html )